sexta-feira, 4 de julho de 2008

Soul Brasil

O balanço dos blacks se aclimata nos trópicos

Assim como o rock, a soul music de nomes como James Brown, Otis Redding e Aretha Franklin também teve grande penetração no cenário da música brasileira dos anos 60. Traços do balanço negro americano podem ser detectados em algumas das primeiras músicas de Jorge Ben Jor (Agora Ninguém Mais Chora, Negro É Lindo, Que Nega É Essa) e, mais flagrantemente, em outras de Wilson Simonal na fase Pilantragem (caso de Mamãe Passou Açúcar em Mim, País Tropical, Tributo a Martin Luther King). No entanto, foi um dos companheiros de Ben Jor na turma roqueira da Rua do Matoso, na Tijuca (onde também apareceram Roberto e Erasmo Carlos) quem iria iniciar a saga do soul brasileiro: Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia.

Aos 17 anos de idade, em 1959, Tim embarcou para os Estados Unidos, onde se enfronhou na black music, chegando a participar do grupo The Ideals. Já aqui, começou a compor no estilo da soul music que havia ouvido na América. Logo sua fama começou a correr e, em 1969, Elis gravou em dueto These Are The Songs (uma das várias canções que Tim tinha escrito em inglês), que saiu no disco Em Pleno Verão. Em 1970, ele gravou seu primeiro disco, Tim Maia, um dos maiores sucessos do ano, amparado em músicas suas como Azul da Cor do Mar, uma baião soulidificado (Coroné Antônio Bento, de Luís Wanderley e João do Vale) e Primavera, composição de um futuro gigante da soul music brasileira: Genival Cassiano. Paraibano, ele começou tocando violão no Bossa Trio, que deu origem ao grupo vocal Os Diagonais, que se empenhava na mistura de soul e samba na virada dos 60 para os 70. Sua carreira solo começou em 1971, com o LP Cassiano, Imagem e Som.

Ainda em 1970, a soul music brasileira explodiria no V Festival Internacional da Canção, com a vitória, na fase nacional, de BR-3, canção de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, defendida por Toni Tornado, que seguiria como intérprete, em discos sempre sob a bandeira da black music. Tim Maia, por sua vez, iria década adentro enfileirando sucessos, como Não Quero Dinheiro (só quero amar), Réu Confesso e Gostava Tanto de Você. Cassiano emplacou duas: A Lua e Eu e Coleção, parcerias com o guitarrista Paulo Zdanowski. Já em 1975, apareceria a terceira grande força do soul brasileiro, ao lado de Tim e Cassiano: o baiano Hyldon, que estourou a sua balada Na Chuva, Na Rua, Na Fazenda, faixa-título de seu primeiro disco, que ainda deu os sucessos Na Sombra de uma Árvore e As Dores do Mundo.

Discípulos do funk

Quase toda ela baseada no Rio de Janeiro, a turma do soul brazuca dos 70, já tingida pelas cores mais fortes do funk e do movimento black power floresceu e revelou nomes como o do pernambucano Paulo Diniz (I Want To Go Back To Bahia), de Gerson King Combo (ex-dançarino, irmão do grande compositor da Jovem Guarda, Getúlio Côrtes, e espécie de James Brown nacional, com as músicas Mandamentos Black e O Rei Morreu (Viva o Rei)) e de Carlos Dafé (Pra que Vou Recordar o que Chorei), Robson Jorge e Miguel de Deus (do disco Black Soul Brothers). Por outro lado, a MPB também absorveu as influências do funk-soul, em trabalhos como Black Is Beautiful e Mentira, gravados pelo bossanovista Marcos Valle, e no samba-soul de Jorge Ben Jor, Bebeto e Trio Mocotó. Ivan Lins, alguns hão de lembrar, começou sua carreira nessa época desfilando o mais inconfundível acento soul, em músicas como O Amor É Meu País.

Mais para o fim dos anos 70, o fenômeno dos bailes black nos subúrbios cariocas deu origem a um movimento de afirmação da negritude via James Brown que ficou conhecido como Black Rio. Ele acabou por batizar uma banda formada por músicos oriundos dos grupos Impacto 8 e Abolição (que, sob a batuta do pianista Dom Salvador, fez soul music brasileira no começo dos 70), interessados em dar um toque de gafieira ao funk, soul e jazz importados. O LP Maria Fumaça, de 1977, marcou a estréia da Banda Black Rio, cuja empolgante sonoridade transformou-se em objeto de culto na cena acid jazz inglesa da metade dos anos 90.

Enquanto isso, na matriz, a virulência do funk começava a ser substituída por uma versão amenizada da black music, feita para as pistas dos clubs e para o consumo de massa, sem sombra de pregação racial. Era a discoteque, de Donna Summer, Chic e Earth Wind & Fire, que teve sua melhor tradução no Brasil com as Frenéticas, atrizes-cantoras arregimentadas pelo produtor e compositor Nelson Motta para trabalharem como garçonetes da sua casa Dancin' Days. A casa deu título a uma novela, cuja música-tema, cantada pelo grupo, detonou a onda disco no Brasil. Outra diva disco made in Brazil foi Lady Zu (Zuleide), paulistana (São Paulo, por sinal, também teve uma forte cena black) que estourou com a música A Noite Vai Chegar. Na mesma onda, embarcaram o insuspeito Gilberto Gil (no bem-sucedido LP Realce), Tim Maia (em Tim Maia Disco Club, que trouxe a música Sossego) e o produtor e tecladista Lincoln Olivetti (mentor do som funk-pop de Realce e de tantos outros discos da MPB), que gravou com Robson Jorge a música Aleluia, grande sucesso nas rádios.

Os anos 80 começaram com uma revelação do soul brasileiro: no Festival MPB-80 da TV Globo, a carioca Sandra (de) Sá ganhou projeção nacional ao defender a música Demônio Colorido e, no mesmo ano, gravou seu primeiro disco. Seguiriam-se ao longo dos 80 sucessos como Olhos Coloridos, Vale Tudo (antológico dueto com Tim Maia), o samba soul Enredo do Meu Samba (Dona Ivone Lara e Jorge Aragão) e Joga Fora (de Michael Sullivan e Paulo Massadas).

Embora inicialmente englobado no movimento roqueiro, a banda Brylho (de A Noite do Prazer) foi outra revelação do soul brasileiro do começo dos 80. Em suas hostes, estavam um parceiro (Paulo Zdanowski) e um discípulo (o guitarrista e vocalista Claudio Zoli) de Cassiano. Em 1986, Zoli iniciaria uma carreira solo, que o tornou um dos grandes batalhadores da soul music nacional, ao lado de Sandra e Tim Maia, que continuou sua trajetória com sucessos, uns mais dançantes (Descobridor dos Sete Mares, Do Leme ao Pontal), outros mais românticos (Me Dê Motivo, Telefone). Outra banda do Rock Brasil dos anos 80 que fez do soul a sua base foi a paulistana Skowa e a Máfia.

A nova geração
Grande conhecedor de rock, funk e soul music, o adolescente tijucano (e sobrinho de Tim Maia) Ed Motta passou boa parte da década de 80 talhando sua voz para o estrelato. Com o amigo guitarrista Luís Fernando, montou a banda Expresso Realengo, prontamente rebatizada de Conexão Japeri. Contratada por uma gravadora, ela gravou em 1988 (quando Ed ainda tinha 16 anos de idade) o disco Ed Motta & Conexão Japeri, que deu para as rádios balanços certeiros como Manoel e Vamos Dançar e iniciaram um novo capítulo no soul brasileiro. Afastado do Conexão, Ed sofisticou sua receita soul e gravou só com o baixista Bombom o seu segundo disco, Um Contrato com Deus, com faixas em português (Condição) e inglês (Do You Have Other Loves?).

Ed morou algum tempo em Nova Iorque, onde gravou um disco que não foi lançado (em estilo totalmente americano) e, paradoxalmente, começou a se aproximar da música brasileira (que costumava rejeitar). Em 1992, o cantor gravou o jazzístico e retrô Entre e Ouça, um fracasso comercial no qual foi incorporada mais uma língua às canções: o edmottês, que surgia quando ele tentava letrar seus scats. A primeira mostra da assimilação da música brasileira (de compositores harmonicamente sofisticados, como Tom Jobim, Edu Lobo e Guinga) foi na canção Falso Milagre do Amor, tema de abertura do filme Pequeno Dicionário Amoroso (1997), de Sandra Werneck. No mesmo ano, Ed Motta lançou o disco Manual Prático Para Bailes, Festas e Afins Vol. 1, no qual ele conseguiu enfim aliar a elaboração musical ao apelo popular – músicas como Fora da Lei, Daqui Pro Méier e Vendaval ajudaram-no a fazer as pazes com o sucesso.

Ed Motta reinou nos anos 90 – e levou adiante o cetro do tio, que morreu em 1998 –, mas uma série de nomes não deixaram que o Soul Brasil ficasse como monopólio. Caso de Sandra de Sá (que lançou o disco tributo a Tim, Eu Sempre Fui Sincero e Você Sabe Muito Bem), Conexão Japeri (que ainda gravou dois discos sem Ed), Edmon Costa, Zé Ricardo, As Sublimes, Ebony Vox, Lúci e Léo M (filho adotivo de Tim Maia), só para ficarmos com os cariocas. Ainda no Rio, surgiu no começo da década uma vertente mais melódica, de inspiração soul, do rap Miami Bass tocado nos bailes funk. Batizada de Funk Melody, ela revelou nomes como Latino, Claudinho & Buchecha, Copacabana Beat e Marcinho & Goró.

O soul-funk carioca tornou-se quase um subgênero nos anos 90, servindo de base para trabalhos de artistas gestados no cenário do pop-rock 80, como a ex-Blitz Fernanda Abreu (uma espécie de rainha samba-funk-disco extemporânea) e Lulu Santos (a partir do disco Assim Caminha a Humanidade, de 1994). São Paulo, porém, deu as caras na área soul, em duas vertentes. Uma foi a dos artistas de rap que avançaram pelos terrenos do groove e das melodias: Sampa Crew, Thaíde & DJ Hum e Bennê. Outro, o dos que exploraram as modernidades soul apresentadas por americanos como Prince, TLC, Maxwell e Babyface (num gênero também conhecido como R&B). É o caso de bandas como a Fat Family e artistas como João Marcelo Bôscoli e Pedro Camargo Mariano (filhos de Elis Regina), Maurício Manieri e, fechando o ciclo do soul brasileiro, Max de Castro, filho de Wilson Simonal, que no começo de 2000 lançou o conceitual Samba Raro.

Fonte: http://cliquemusic.uol.com.br/br/generos/generos.asp?nu_materia=58

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