segunda-feira, 14 de julho de 2008

Vladimir Herzog


O jornalista Vladimir Herzog nasceu em Osijek na Croácia e chegou ao Brasil aos nove anos de idade. Brasileiro naturalizado, filho de Zigmundo e Zora Herzog, casado com Clarice Herzog, pai, professor da USP, teatrólogo e jornalista, Vlado, como era chamado pelos amigos, era um homem íntegro e um profissional competente, muito ligado às manifestações culturais.

Começou a carreira de jornalista em 1959 e trabalhou em diversas redações de jornais. Em 1971 elaborou uma extensa reportagem de capa para a revista sobre os problemas das TVs educativas no Brasil. Em 1973 passou a trabalhar como secretário do jornal Hora da Notícia na TV Cultura e em seguida assumiu o cargo de diretor do departamento de telejornalismo. Nesta função começou a colocar em prática seu conceito de responsabilidade social do jornalismo.

Defendia que a TV Cultura tivesse um jornalismo profissional que não fosse servil ao estado e que mais do que educativo ou cultural, fosse público. Para Herzog, o jornalismo não deveria propor um monólogo, mas um diálogo com a sociedade, que superasse todo tipo de paternalismo e incorporasse os problemas, esperanças, tristezas e angústias das pessoas às quais se dirige.

Em 1975, enquanto buscava implementar suas idéias de um jornalismo público, Vladimir Herzog foi chamado para depor no prédio do DOI-CODI, na rua Tutóia, para prestar esclarecimentos sobre o seu envolvimento com o Partido Comunista Brasileiro. No DOI-CODI, foi brutalmente torturado sob o comando do capitão Ramiro e terminou assassinado quando se recusou a assinar o depoimento, aos 38 anos. Seu corpo foi arrastado até uma cela e pendurado numa grade simulando suicídio.

O assassinato de Herzog transformou-se em escândalo nacional e foi decisivo para o movimento que levou à abertura política no Brasil. No velório havia a presença de policiais à paisana. O enterro foi no dia vinte e sete de outubro de 1975, de acordo com o ritual da religião judaica. O rabino Henry Sobel, não colaborou com a versão do governo e decidiu que Vlado não seria enterrado como suicida.

Depois do episódio da morte de Vladimir, o governo brasileiro tomou iniciativas e tentou controlar aquela situação, que violava a dignidade e os direitos humanos. Houve uma revolta por parte dos jornalistas, que começaram a se mobilizar, cada um à sua maneira, e contestar o sistema ditatorial que assassinava e reprimia. Uma facção da sociedade também começava a dar sinais da sua insatisfação com as arbitrariedades do regime militar. O sindicato dos jornalistas, em São Paulo, teve um papel muito importante nesse momento. Mostrou coragem em uma época em que o medo dominava o país.

Finalmente, em 1978, a justiça admitiu que a União foi culpada pela morte do jornalista. O governo resolveu em 1987, nove anos mais tarde, que seria pago uma indenização à família de Herzog, a qual só seria recebida durante o governo FHC. Hoje, Vladimir é tido como símbolo de luta pela democracia no Brasil.

Rosana Bronk's na TV Cultura

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Genocídio de Ruanda

Antecedentes

Distinguem-se em Ruanda dois grupos étnicos: a maioria hutu e o grupo minoritário de tutsis. Desde a independência do país da Bélgica, os seus líderes sempre foram tutsis, num contexto de rivalidade étnica agravada com o tempo devido à escassez de terras e à fraca economia nacional, sustentada pela exportação de café.

Em 1989, o preço mundial do café reduziu-se em 50% (estranho né), e Ruanda perdeu 40% de sua renda com exportação. Nesta época, o país enfrentou sua maior crise alimentícia dos últimos 50 anos, e ao mesmo tempo aumentava os gastos militares em detrimento a investimentos em infra-estrutura e serviços públicos.

Em outubro de 1990, a Frente Patriótica Ruandesa, composta por exilados tutsis expulsos do país por hutus com o apoio do exército, invade Ruanda pela fronteira com Uganda. Em 1993, os dois países firmam um acordo de paz, o Acordo de Arusha.

Cria-se em Ruanda um governo de transição, composto por hutus e tutsis.

Em 1994 as tropas hutus, chamadas Interahamwe, são treinadas e equipadas pelo exército ruandês entre arengas e ânimos à confrontação com os tutsis por parte da Radio Télévision Libre de Mille Collines (RTLM) dirigida pelas facções hutus mais extremas. Estas mensagens incidiam nas diferenças que separavam ambos os grupos étnicos e, ao passo que o conflito avança, os apelos à confrontação e à "caça do tutsi" tornaram-se mais explícitos, designadamente desde o mês de abril, em que se fez circular o boato de a minoria tutsi planejar um genocídio contra os hutus.

De acordo com Linda Melvern, uma jornalista britânica que teve acesso a documentos oficiais, o genocídio foi planificado. No início da carnificina, a tropa ruandesa estava composta por 30.000 homens (um membro por cada dez famílias) e organizados por todo o país com representantes em cada vizinhança. Alguns membros da tropa podiam adquirir rifles de assalto AK-47 tão somente preenchendo um formulário de demanda. Outras armas tais como granadas nem sequer requeriam desse trâmite e foram distribuídas de forma maciça.

O genocídio foi financiado, pelo menos parcialmente, com o dinheiro apropriado de programas de ajuda internacionais, tais como o financiamento fornecido pelo Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) sob um Programa de Ajuste Estrutural. Estima-se que 134 milhões de dólares foram gastos na preparação do genocídio em Ruanda -- uma das nações mais pobres da terra -- com 4,6 milhões de dólares gastos somente em facões, enxadas, machados, lâminas e martelos. Estima-se que tal despesa permitiu a distribuição de um novo facão a cada três varões Hutus.

Segundo Melvern, o primeiro-ministro de Ruanda, Jean Kambanda, revelou que o genocídio foi discutido abertamente em reuniões de gabinete, e uma ministra de gabinete disse que ela estava "pessoalmente a favor de conseguir livrar-se de todo os Tutsis... sem os Tutsis todos os problemas do Ruanda desapareceriam" (problemas de quem?).

O genocídio

Em Abril de 1994 a morte num atentado ao avião do presidente Juvenal Habyarimana e o avanço da Frente Patriótica Ruandesa produziu uma série de massacres no país contra os tutsis, e causou um deslocamento maciço de pessoas para campos de refugiados situados na fronteira com os países vizinhos, em especial o Zaire (hoje República Democrática do Congo). Em Agosto de 1995 tropas do Zaire tentam expulsar estes refugiados para Ruanda. Quatorze mil pessoas são devolvidas a Ruanda, enquanto que outras 150.000 se refugiam nas montanhas. Mais de 500.000 pessoas foram assassinadas e quase cada uma das mulheres que sobreviveram ao genocídio foram violentadas. Muitos dos 5.000 meninos nascidos dessas violações foram assassinados.

O Tribunal criminal internacional, teve voto unanime contra o Dr. Gerard Ntakirutimana, 45 médico missionário que exercia a medicina no hospital pertencente a Igreja Adventista do Sétimo Dia de Mungonero, foi condenado por genocídio e por crimes contra a humanidade e sentenciado a 25 anos de prisão pela morte de duas pessoas e por atirar em refugiados Tutsis em vários locais. Ele foi condenado por fazer parte de ataques contra Tutsis na Colina de Murambi e Colina de Muyira em várias datas. O Pr. Elizaphan Ntakirutimana, 78 pai do Dr. Gerard Ntakirutimana e pastor presidente da associação da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Mugonero, no oeste de Rwanda foi condenado a 10 anos de prisão por crimes menores. O Pr. Elizaphan levou os atacantes para Igreja Adventista de Murambi em Bisesero onde era pastor presidente e ordenou a remoção do telhado do edifício, afim de localizar os Tutsis que lá estavam abrigados. O ato conduziu às mortes de muitos dos que estavam no local. Ele também levou os atacantes a vários locais para localizar e matar Tutsis.

De acordo com a BBC, centenas de Tutsis que procuraram refúgio na igreja e no hospital Adventista enviaram uma carta ao Pr. Elizaphan Ntakirutimana pedindo socorro. A carta, segundo a BBC incluia a frase: " Nos desejamos informar-lhe que amanhã seremos mortos juntamente com nossas famílias". A resposta do Pr. Elizaphan Ntakirutimana foi de que eles deviam se preparar para morrer. As Milícias de Hutu, segundo as testemunhas chegaram pouco tempo depois com ambos os Ntakirutimanas. Só alguns Tutsis sobreviveram a agressão. Os Ntakirutimanas disseram no tribunal que eles tinham deixado a área antes das matanças. O Pr. Elizaphan Ntakirutimana fugiu para os Estados Unidos depois das matanças, mas foi extraditado para a Tânzania. Seu defensor foi um dos mais caros advogados dos Estados Unidos, Dr. Ramsay Clark. O ICTR já realizou nove julgamentos, com 10 condenações e uma absolvição. Oito casos envolvendo 20 suspeitos. A expectativa é que mais seis casos devam ser concluídos este ano de 2003. Foram mortos pelo menos meio milhão de pessoas, a grande maior parte da minoria étnica Tutsi, em atos de violência praticados pela maioria Hutu que estava governando o pais. O Mais interessante é que outro adventista foi o responsável pela salvação de 1268 tutsi e hutu abrigando-os no Hotel Mille Collines em Kigali. Paul Rusesabagina ficou mundialmente conhecido ao ser retratado no filme Hotel Ruanda. Paul Rusesabagina, residente na Bélgica, afirma que se não forem tomadas posturas duras contra o Tribalismo em Ruanda o genocídio poderá ocorrer novamente, desta vez pelas mãos dos tutsis, "governantes" do país desde o fim da matança. O humanitário é conhecido como o Oskar Schindler de Ruanda, feita a comparação com o membro do regime nazista que salvou milhares de judeus durante o Holocausto.

Assistam "Hotel Ruanda".

terça-feira, 8 de julho de 2008

Muito Alem do Cidadão Kane

1° Parte



2° Parte



3° Parte



4° Parte

Malcolm X


Malcolm X nasceu em Omaha, no estado de Nebraska, Estados Unidos. Quando estava com seis anos, seu pai Earl Little, um dedicado trabalhador para UNIA (Associação para Melhoria Universal do Negro) foi violentamente assassinado. Após brutal espancamento, foi jogado na linha do trem com corpo quase partido em dois, ainda não morreu ali, agonizou mais algumas horas.

Louise Little, mãe de Malcolm com 34 anos, assumiu o sustento dos seus oito filhos. Ela possuía pele clara e arrumava empregos domésticos. Os empregos duravam até descobrirem que ela era negra. Louise também passou a receber dois cheques, um pensão de viúva, outro da assistência social. Este dinheiro não era suficiente, e com seu desemprego freqüente tornou-se uma família, praticamente, de indigentes.

As assistentes sociais do governo atormentavam Louise, com a intenção de encaminhar seus filhos para lares adotivos, como ela se opunha, começaram insinuar, a tramar sua insanidade. Louise passou por intensas pressões que a levou a um colapso nervoso. Ensejo que o Estado aguardava para trancafiá-la em um hospital de doentes mentais.

Malcolm já havia sido adotado e, em 1937, viu sua família ser destruída. Os dois irmãos mais velhos, Wilfred e Hilda foram deixados à própria sorte, Philbert foi levado para casa da família em Lansing, Reginald e Wesley foram viver com a família Willians, Yvone e Robert com a família McGuire.

A UNIVERSIDADE DAS RUAS

Quando terminou a oitava série, Malcolm foi morar em Boston na casa de sua meia irmã Ella. Fez amizade com Shorty, esticou os cabelos, passou a beber, fumar, cigarros, baseados, jogar cartas, jogo dos números e aprendeu a dançar muito bem. Sua melhor parceira era Laura, uma singela negra que morava com a avó e sonhava forma-se na universidade. Ele a namorou, levou-a aos bailes, numa destas festas, trocou-a por uma mulher branca, uma mulher loura, chamada Sophia. Laura, no futuro próximo, cairia na prostituição. Malcolm confessou: “Umas das vergonhas que tenho carregado é o destino de Laura..., tê-la tratado da maneira como tratei por causa de uma mulher branca foi um golpe forte demais”.

Malcolm entre outros empregos, a exemplo de engraxate, trabalhou na ferrovia, depois resolveu se mudar para o Harlem. Alugou um apartamento onde várias das inquilinas eram prostitutas. Sophia ia de Boston para o Harlem visitá-lo. Algum tempo depois, casou-se e manteve-o como amante.

No Harlem, Malcolm também morou na casa de Sammy, um amigo cafetão, e entrou para a “vida do crime”, tornou-se traficante. Aproveitou o bilhete que ganhou, quando trabalhou na ferrovia, e foi traficar nos trens. Estava cada dia mais difícil vender nas ruas, a polícia estava “fechando o cerco”, os artistas que conhecia – seus clientes – adoraram a idéia. Naquele tempo, temia três coisas: cadeia, emprego e o exército. Fingiu-se de louco para se livrar do serviço militar.

Depois do término das viagens traficando, perdeu a conta dos golpes que deu no Harlem. Não podia mais vender maconha, a polícia já o conhecia. Passou a praticar seus primeiros assaltos, e se preparava para esses trabalhos com drogas mais fortes. Era viciado no jogo dos números, quando ganhava, convidava Sophia para passar alguns dias em Nova York. Sua vida marginal levou-o a se meter em tantas encrencas no Harlem que acabou ficando num “beco sem saída”, estava “jurado de morte”. Sammy ligou para seu velho amigo Shorty vir buscá-lo, levá-lo de volta para Boston.

Em Boston, foi morar com Shorty em seu apartamento. Quase todos os dias assim que o amigo saia para trabalhar, como saxofonista, Sophia encontrava-se com Malcolm, e ele arrancava-lhe todo o dinheiro. O marido de Sophia havia arrumado emprego de vendedor, e viajava constantemente.

Para sair da inatividade Malcolm propôs a Shorty que assaltassem casas. Formaram um grupo com a participação de Rudy, amigo de Shorty, Sophia e sua irmã. Sophia havia apresentado sua irmã para Shorty e os dois passaram a namorar. O primeiro trabalho foi um sucesso, e depois vieram outros e outros...

“Todo ladrão espera o dia em que será apanhado”. Chegou o dia inevitável de Malcolm, Shorty e Sophia e sua irmã, somente Rudy conseguiu escapar. As duas mulheres tiveram penas reduzidas, pegaram de um a cinco anos. Malcolm disse: “Apesar de serem ladras eram brancas”. Quanto aos dois negros, seu próprio advogado de defesa confessou: “Vocês não deviam ter se metido com mulheres brancas”. Shorty pegou de oito a dez anos, e Malcolm dez anos.

A IMPORTÂNCIA DA LEITURA
Na prisão por causa de sua atitude rebelde e anti-religiosa, Malcolm ficou conhecido como Satã. Reginald escreveu-lhe uma carta dizendo que descobrira a verdadeira religião do homem preto. Ele pertencia a Nação do Islã, Malcolm respondeu a carta com palavrões. Recebeu outra, escrito: “Não coma carne de porco e pare de fumar que eu lhe mostrarei como sair da prisão”. Estas palavras ficaram em sua cabeça.

Reginald sabia como funcionava a mente marginal do irmão, havia passado uma temporada com ele no Harlem. Quando foi visitá-lo Malcolm estava ansioso para saber como não comendo carne de porco livrar-se-ia da prisão. Afinal qual golpe havia tramado, e passou a ouvir Reginald falar sobre Elijah Muhammad. Seu irmão contou que: Alá viera para a América e se apresentou a um homem chamado Elijah – um homem preto – afirmando que o homem branco é o demônio.

A mente de Malcolm, involuntariamente, recordou todos os homens brancos que conheceu. Ao ir embora Reginald deixou seu irmão pensando, com seus primeiros pensamentos sérios. Malcolm pensou nos brancos que tinham internado sua mãe, os que tinham matado seu pai, os brancos que haviam destruído sua família, em seu professor branco que assegurou que: “é absurda a idéia um negro pensar em ser advogado”. Apesar de suas notas altas, Malcolm deveria ambicionar ser carpinteiro.

Quando Reginald voltou, viu o efeito que suas palavras haviam provocado em seu irmão, e falou mais sobre o demônio que é o homem branco. Seus outros irmãos também passaram a escrever, a falar sobre o honrado Elijah Muhammad. Todos recomendaram seus ensinamentos que classificavam como o verdadeiro conhecimento do homem preto. Malcolm titubeou, no entanto, acabou-se se convertendo ao islã, tornou-se muçulmano negro.

Graças aos esforços de Ella, Malcolm conseguiu ser transferido para uma prisão colônia de Nolfork que era de reabilitação profissional, muito melhor do que as outras por onde havia passado, e a biblioteca era um de seus elementos principais. Para responder as cartas, e se corresponder com Elijah Muhammad começou a ler muitos livros, tornou-se um leitor voraz, em seus anos de prisão, leu desde os clássicos aos mais populares.

Sobre os filósofos fez o seguinte comentário: “Conheço todos, não respeito nenhum”, disse também: “A prisão depois da universidade é o melhor lugar para uma pessoa ir, se ela estiver motivada, pode mudar sua vida”; “as pessoas não compreendem como toda a vida de um homem pode ser mudada por um único livro”. Além da leitura, copiou um dicionário inteiro para compreender melhor os livros.

Em 1952, Malcolm foi libertado e saiu em caravana para visitar o Templo Número Dois, assim eram chamadas as mesquitas. Ele finalmente ia ouvir Elijah Muhammad que ao final de sua fala chamou Malcolm, pediu que ficasse em pé, e diante dos olhares de uns duzentos muçulmanos, contou uma parábola a seu respeito.

A partir de então, Malcolm passou a colaborar com Templo Número Um, ele participava da “pescaria” que era atrair os jovens, e se saia muito bem, afinal, conhecia a “linguagem dos guetos”. Recrutava nos bares, nos salões de sinuca e esquinas dos guetos, o Templo Número Um, de Detroit, em três meses triplicou o número de fiéis. Malcolm já havia recebido da Nação do Islã o seu “X” que significava seu verdadeiro nome de família africana que Deus lhe revelaria. Para ele o “X” substituía o Little, o pequeno, herança escravocrata.

No verão de 1953, Malcolm X foi nomeado ministro assistente do Templo Número Um e passou a freqüentar a casa de Elijah Muhammad, era tratado como filho. Malcolm devido sua fidelidade, inteligência, oratória, cultura, personalidade..., obteve um desempenho extraordinário na Nação do Islã que resultou e teve uma ascensão meteórica. Em curto intervalo de tempo tornou-se o principal ministro de Muhammad, levando-o a ser transferido para o templo de Nova York – o mais importante.

Meio a sua vida agitada, Malcolm passou a reparar em uma moça chamada Betty, o interesse era recíproco, consultou Muhammad e casou em janeiro de 1958. Mal se casou, e Malcolm estava, em toda parte, trabalhando pelo crescimento da Nação do Islã. Em suas polêmicas diárias o que mais o irritava, eram certos líderes negros os quais acusava que: “suas organizações tinham corpo preto com cabeça branca”.

X E KING

Em 1963, Kennet B. Clark entrevistou, em separado, para um programa de televisão: James Baldwin, Martin Luther King e Malcolm X. Esta entrevista originou o livro “O Protesto negro” nesta publicação encontra-se algumas divergências entre “X” e “King”.

Malcolm X critica a política de não-violência:

“Todo o negro que ensina o outro negro oferecer a outra face, desarma-o. Todo negro que ensina o outro a oferecer a outra face diante do ataque rouba-lhe o direito divino, seu direito moral, seu direito natural, o direito natural à defesa. Todos os seres de natureza têm esse direito e têm razão de exercê-lo. Homens como King têm por profissão ensinar os negros a ‘não reagir’. Ele não lhe diz para ‘não lutarem entre si’. ‘Não reajam contra o homem branco’ é a essência de sua pregação, pois adeptos de Martin Luther King matar-se-ão entre si, mas nada farão em defesa própria contra os ataques do homem branco”.

Martin Luther King defende as sua idéias:

“Não vejo o amor como uma inconseqüência emocional neste contexto. Não vejo como fraqueza, mas como uma força que se organiza em poderosa ação direta. É isto que venho tentando ensinar no sul: que não nos enganamos numa luta para cruzar os braços, há uma grande diferença entre a não-resistência a maldade e a resistência não-violenta. A não resistência conduz a um estado de passividade e uma complacência mórbida, ao passo que a resistência não-violenta significa resistir decidida e determinadamente. Parece que algumas críticas, e críticos da não-violência ainda não compreenderam o seu sentido vigoroso, confundindo não resistência com resistência não violenta”.

ELOGIO E TRAIÇÃO

Malcolm fundou um jornal chamado “Muhammad Fala” que levou revistas mensais a darem reportagens de capa sobre os muçulmanos negros. Não demorou muito para que Malcolm fosse convidado para participar de mesas redondas de rádio, televisão e universidades, entre elas Havard, para defender a Nação do Islã, enfrentando intelectuais negros e brancos.

Elijah Muhammad disse para Malcolm: “Quero que você se torne muito conhecido, pois você se tornando conhecido, também me tornará conhecido”. Malcolm tornou-se realmente conhecido, tornou-se uma personalidade estadunidense que muitas vezes chamou a atenção do cenário mundial, mais do que Martin Luther King e o presidente John F. Kennedy.

O seu destaque gerou ciúmes no próprio Elijah que não possuía a coragem e perspicácia de Malcolm para discutir, por exemplo, com professores universitários. A intensa exposição e repercussão da figura de Malcolm X contribuíram para alimentar entre os enciumados muçulmanos negros o boato que ele tentaria tomar o controle da Nação do Islã.

Duas antigas secretárias de Muhammad entraram com processo de paternidade. Malcolm ao conversar com elas descobriu que enquanto Elijah Muhammad o elogiava pela frente, tentava destruí-lo pelas costas, e aguardava o momento oportuno para afastá-lo. A morte de John Kennedy e a declaração polêmica de Malcolm a respeito foi o ensejo.

Ele que tanto se dedicou e com certeza foi uns dos... (senão o principal responsável) pelo crescimento da Nação do Islã foi afastado. Malcolm em seu trabalho árduo, praticamente, não adquiriu bens materiais. Bens que poderiam gerar algum conforto à sua família, no caso de sua falta, porém sempre acreditou que se alguma fatalidade lhe ocorresse, os muçulmanos negros cuidariam de sua família.

Malcolm ficou sabendo do seu banimento através da imprensa. Sofreu humilhações públicas com manchetes como: “Malcolm silenciado”. Os muçulmanos negros também conspiraram para que ele fosse considerado traidor, a punição para a traição é o ostracismo e a morte. A ironia é que Malcolm sempre foi leal, ele falava em nome de Muhammad, renunciava a própria personalidade em favor de Elijah Muhammad.

MECA

Patrocinado por Ella, Malcolm viajou para Meca com o objetivo de conhecer melhor o islã. Agora admitia que Elijah Muhammad havia deturpado esta religião nos Estados Unidos. Ao voltar de sua viagem, estava para iniciar uma nova fase em sua vida. Ele que teve tantas reviravoltas em sua agitada história.

Em uma entrevista coletiva, perguntaram-lhe:

“Você ainda acredita que os brancos são demônios?”

Respondeu:

“Os brancos são seres humanos na medida que isto for confirmado em suas atitudes em relação aos negros”.

Movido por suas novas idéias, Malcolm fundou a Organização da Unidade Afro-Americana: Grupo não religioso e não sectário – criado para unir os afro-americanos –, contudo, em 21 de fevereiro de 1965, na sede de sua organização, Malcolm recebeu 16 tiros calibre 38 e 45, a maioria deles atingiu o coração.

Malcolm foi assassinado – com apenas 39 anos – em frente de sua esposa Betty, que estava grávida, e de suas quatro filhas. Escreveu MS Handler: “Balas fatais acabaram com a carreira de Malcolm X antes que ele tivesse tempo para desenvolver suas novas idéias”

[...] pai Preto dizia/ todos os negros são alienados/ e eu sou o mais alienado/ de todos os alienados/ quando me atrevo/ em meus tiros/ há sempre dois pretos/ a revidar/ além dos dez brancos/ quando falta um “irmão”/ não desperdiço munição/ espero outro tio Tom/ o brancu disse/ vivemos numa democracia racial/ e alguns pretus que legal/ que alegria/ agora temos uma teoria/ pretos raço-democratas/ que morre/ que mata/ para não perder sua paz/ para se sentir parte/ de uma sociedade/ a qual nunca pertenceu/ Meu!/ se toca/ tocou-se o branco/ agora a briga é de/ brancu com branco/ e os negros tranqüilos/ preferem ficar com/ o velho conhecido/ gritam os Pretos/ os Movimentos Negros/ negras anti-raçodemocratas/ se auto-afirmando/ “Raça”/ “Raça”/ e vem o brancu/ distante da prática/ da “Raça”/ aquele que impõem/ a gramática/ dizendo/ que piada/ não existem “Raças”/ eliminou-se a/ “Raça”,/ e não o racista/ e quem são/ Pois não/ Os que não/ são raço-democratas/ Por enquanto nada/ Até outro branco teorizar/ todos sabem.../ mas é sempre bom lembrar/ a opinião que vale é branca/ cabe ao negro no máximo confirmar [...] (“Negros e brancos raço-democratas” poesia de Lourenço Cardoso).

No jornal “Folha de São Paulo”, em 22 de fevereiro de 1965, foi publicado em primeira página, com foto em destaque: “O líder racista Malcolm X foi assassinado”. Esta reportagem indica a repercussão da morte de Malcolm em nosso país, e o engano com que ainda – hoje em dia – atribuem a sua imagem.

Apesar dos quase “40 anos” de sua morte, sua influência segue forte, e sua história inspira e difunde luta por justiça. No Brasil, na atualidade, ouvimos rappers do Movimento HIP HOP, numa postura crítica, se autoproclamarem: “Cachorros loucos” Não seria esta “titulação” re-elaboração da frase a qual muitos e o próprio Malcolm X se referia a si?: “Todos os negros são furiosos e eu sou o mais furioso de todos os furiosos”.

* Lourenço Cardoso nasceu em São Paulo/SP. Formado em História na PUC-SP, escritor: poeta, dramaturgo. Como educador projetou o curso “História negra no Brasil”. Participou da Antologia poética “Cadernos Negros Volume 21”, escreveu alguns trabalhos dentre os quais: o livro de poesia “O peso do Mundo”, e as peças teatrais “Preto”, “Assassinaram o canalha” e “Perdoe o filha da puta”, e o ensaio “A poesia de protesto de Chico Buarque: passando pela ‘coisa preta’ sampleando Mano Brown, Geraldo Vandré e Nélson Rodrigues”.

Referência bibliográfica:
CARDOSO, Lourenço. O Peso do mundo. São Paulo, edição do autor, 2002.

CLARK, Kenneth B. O Protesto negro James Baldwin, Malcolm X, Martin Luther King. Trad. Wladimir Gomide, Rio de Janeiro, Guanabara, Laemmert, 1963.

FOLHA DE SÃO PAULO, 22 de fevereiro de 1965.

HALEY, Alex. Autobiografia de Malcolm X. Com a colaboração de Alex Haley. Trad. A.B. Pinheiro de Lemos, 2a. Edição, Rio de Janeiro, Record, 1992.

MEALY, Rosemary. Fidel & Malcolm X: Lembranças de um encontro. Trad. Marta Cardoso Moreira Lima. Niterói, RJ, Casa Jorge Editorial, 1995.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A luta pelos Direitos Civis

De Abraham Lincoln a Martin Luther King

Introdução

“...o gradual desenvolvimento da igualdade é uma realidade providencial. Dessa realidade tem ele as principais características: é universal, é durável, foge dia a dia à interferência humana; todos os acontecimentos assim como todos os homens servem ao seu desenvolvimento. Seria prudente imaginar um movimento social de tão remotas origens pudesse ser detido por uma geração? Pode-se conceber que, após ter destruído o sistema feudal e vencido os reis, irá agora a democracia recuar ante a burguesia e a classe rica? Agora que se tornou tão forte, e tão frágeis os seus adversários, deter-se-á ainda?” - Alexis de Tocqueville - A Democracia na América, 1835

Após quase meio século de silencioso descontentamento, na década dos 50 os negros norte-americanos voltaram a reagir contra a situação de inferioridade e exclusão que as leis dos brancos os condenaram. Ergueram-se contra a discriminação e a segregação racial que sofriam no seu país. Por todos estados do Sul dos Estados Unidos imperavam ainda velhas leis racistas que tornaram-nos párias sociais, ou um meio-cidadão. Se Convocam-nos para servir no exército e lutar nas guerras, mas impediam-nos de votar e de freqüentar uma escola pública com os demais brancos. Negavam-lhes hospedagem nos hotéis e nem em lanchonetes eram atendido.

Foi este estado de coisas chocante que foi questionado pelo Civil Reigths Movement, o Movimento pelos Direitos Civis, que tomou corpo então. Como pano de fundo, alimentando a contestação, estava o processo de emancipação do Terceiro Mundo, quando os povos de cor da Ásia e da África iniciaram a luta pela descolonização. Eles não aceitavam mais o estatuto colonial em que estavam submetidos, subjugados pelos colonizadores europeus. Houve, portanto, uma mútua influência entre o processo de Descolonização do Terceiro Mundo e a retomada do Movimento dos Direitos Civis dos negros norte-americanos. Mas estes, os americanos, achavam-se na retaguarda, o que levou o escritor James Baldwin a dizer que parecia mais fácil “a África inteira conseguir a sua liberdade antes de nós conseguimos tomar sequer uma xícara de café”, num bar dos brancos.(*)

Das grandes personalidades que emergiram nesse duplo movimento de emancipação, africano e americano, nenhuma atingiu a universalidade e a popularidade do reverendo Martin Luther King, Jr., Prêmio Nobel da Paz de 1964, e que terminou por ser assassinado em 4 de abril de 1968, em Memphis, a capital do estado racista do Alabama.

O dr. King ainda teve a felicidade de presenciar a assinatura do Civil Reights Act, a Lei dos Diretos Civis, sancionada pelo Presidente Lyndon B. Johnson em agosto de 1964, tornando ilegal e inconstitucional a segregação e a discriminação racial em todos os estados da união norte-americana.

(*) atribui-se a demora pelo ressurgimento desse movimento ao clima de Guerra Fria criado no após-guerra e ao macartismo (1946-1954), que facilmente poderia acusar os defensores dos direitos civis como “comunistas”.

Lincoln e a Abolição

“Eu, em casa, não tive proteção, nem descanso fora dela... Fui um excluído da sociedade na minha infância e um exilado na terra onde nasci. Eu sou um estranho lá e um errante como foram os meus pais.” - Frederick Douglas (ex-escravo e líder negro abolicionista) - “Life and Times of Frederick Douglass”, 1845


Alexis de Tocqueville o historiador liberal observou, em sua visita aos Estados Unidos em 1831, que o grande problema futuro da América era o negro. Sentiu que o pais inteiro se dividia sobre a questão da escravidão. No Sul achavam-na natural, uma “peculiar instituição” como os escravagistas a chamavam. No Norte, crescia a opinião de que ela era abominável e moralmente insustentável num país cristão. Durante quase um século, Norte e Sul contemporizaram a seu respeito. A divergência aumentou conforme as terras do Oeste passaram a ser ocupadas. Para os nortistas, defensores do Movimento Free Soil, “Terra Livre”, deveria-se liberá-las, as novas terras, apenas para os homens livres afim de colonizá-las. Aos sulistas isso soava como um impedimento à expansão dos seus interesses, todos eles ligados a perpetuação e expansão da escravidão. Em suma, os Estados Unidos, como disse o Presidente Abraão Lincoln num célebre discurso, “era uma casa dividida, meio livre meio escrava”.

A Guerra de Secessão de 1861-65, foi travada para superar o trágico e doloroso impasse em que a nação se encontrava. Descontentes com a eleição de Abraão Lincoln, um candidato abolicionista, os estados do Sul determinaram formar uma Confederação e separar-se da União.

Alexis de Tocqueville observou, trinta anos antes da guerra civil, que na verdade o maior interesse pela abolição partia dos próprios brancos que viam naquela instituição um empecilho à conquista do pais. Se (a escravidão), escreveu ele, era “cruel para o escravo era funesta para o senhor”. O que foi reiterado por Lincoln, em 1862, quando dirigiu-se ao Congresso pleiteando pela liberdade dos negros dizendo que aquilo “asseguraria a liberdade aos livres”. Em 1º de janeiro de 1863, o Presidente Lincoln anunciou a Proclamação da Emancipação assegurando a liberdade dos escravos que viviam em estados rebeldes.(*) Lincoln, no mais conhecido dos seus discursos - The Gettysburg Adress - de 19 de novembro de 1863, colocou o que estava em jogo. Não se tratava de que os nortistas deviam ou não lutar pela manutenção da União ou se os sulistas tinham direito constitucional de formar uma confederação. A questão era outra. Era possível existir um governo baseado na igualdade de todos os cidadãos? Sobreviveria a democracia?

Pela 13ª Emenda, aprovada em dezembro de 1865, a servidão foi varrida do país. Em 1875, dez anos depois da sua morte - Lincoln foi assassinado por um sulista - aprovou-se uma Declaração de Direitos que impedia a discriminação. Esta conquista deu-se em parte pelo próprio engajamento dos negros na guerra. Por pressão de Frederick Douglass, um ex-escravo, notável militante abolicionista e primeiro assessor negro da presidência americana, Lincoln concordou em convocá-los. Começando pelo 54º de Voluntários de Massachusettes, 166 regimentos negros formaram-se ao longo do conflito, alistando 178.975 homens, dos quais 68 mil morreram. Depois da grande matança tudo indicava que o ex-escravo seria gradualmente assimilado à sociedade norte-americana, tornando-se um cidadão como os demais.

(*) Num encontro reservado com lideranças negras, Lincoln propôs aos libertados que retornassem à África, porque não acreditava que algum dia os brancos aceitassem a igualdade racial. Prevendo muito sofrimento de parte dos ex-escravos prometeu auxiliá-los na viagem de volta. Os lideres não aceitaram. Desde 1619 vivendo na América, nem saberiam onde desembarcar na África. Eles eram americanos, nada mais tinham a haver com o continente negro.

O Discurso de Gettysburg (19 de novembro de 1863)

"Há oitenta e sete anos nossos antepassados implantaram sobre este continente uma nova nação, concebida em liberdade, e dedicada à idéia de que todos os homens são iguais. Presentemente estamos envolvidos numa grande guerra civil testando assim o poder de resistência dessa nação, ou de qualquer outra concebida sobre aquele princípio. Encontramo-nos agora num grande campo de batalha dessa guerra. Viemos até aqui para dedicar uma porção de tal campo como um lugar de repouso eterno para aqueles que aqui deram suas vidas a fim de que a nação pudesse viver. E é conveniente e apropriado que nós prestemos juntos essa homenagem.

Mas, num sentido mais amplo, nós não podemos dedicar-lhes, não podemos consagrar - nem santificar - este sítio. Os homens bravos, vivos ou mortos, que lutaram aqui, já o consagraram, muito mais do que o nosso poder de acrescentar algo ou diminui-lo. O mundo deverá registrar bem pouco, e nem de longe recordar o que dissemos aqui, mas ele nunca poderá esquecer o que aqueles homens fizeram(*). É para nós os que continuam vivos, que temos diante de nós uma obra inacabada pela qual eles se bateram e tão nobremente adiantaram, que melhor caberia tal dedicatória. Sim, é para nós que estamos aqui dedicados a grande tarefa que se nos defronta - que isso se endereça mais do que a esses mortos honrados dos quais retiraremos a devoção ampliada àquela causa pela qual eles esgotaram a última reserva de dedicação - tarefa essa que aqui devemos assumir para que esses mortos não tenham morrido em vão, e para que essa nação, sob a autoridade de Deus, deva renascer em liberdade, e a fim de que o governo do povo, pelo povo e para o povo não pereça na terra."

(Fonte: Richard B. Morris - Documentos básicos da História dos Estados Unidos, Ed. Fundo de Cultura, RJ., 1964)

(*) a previsão de Lincoln não se confirmou. Hoje bem poucos sabem o que foi ou o que representou a batalha de Gettysburg, mas suas palavras se encontram na maior parte dos livros de história do nosso século.

A Reconstrução e a Segregação

"Violaram, para com o negro, todos os direitos de humanidade, e depois lhe ensinaram a inviolabilidade dos direitos." - Alexis de Tocqueville - A democracia na América, 1835

O chamado período da Reconstrução, the Radical Reconstruction, de 1865-1877, tentou aplicar medidas que integrassem os antigos servos na sociedade sulistas. O Sul reagiu. Em 1865 mesmo, grupos clandestinos de brancos, criaram as sociedades secretas terroristas dos Cavaleiros da Camélia Branca e a da Ku Klux Klan, a mais conhecida e duradoura, voltadas para atemorizarem os freeman, os libertados, e impedir a igualdade. Também proliferam no Sul os códigos negros, blacks codes, leis estaduais que retiram dos ex-escravos, ao lhes vedarem a propriedade da terras, qualquer possibilidade de tornarem-se cidadãos. A última esperança dos negros de contarem com o apoio da União se esvaiu quando deu-se o Acordo Hayes (Hayes agreemennt).

Em 26 de fevereiro de 1877, o candidato a presidente, o nortista Rutherford Hayes teve que, por razões eleitorais, pedir sustentação aos antigos donos do sul para confirmar-se no poder. Em troca comprometeu-se a retirar as tropas federais do sul e a não intervir em seus assuntos internos. Foi o sinal para a grande contra-ofensiva racista. Estado por estado multiplicaram-se as leis discriminatórias. Em 1883 a Suprema Corte lhes fez um favor ainda maior. Assegurou que nada podia fazer quando a discriminação era feita por particulares, tornando os Direitos Civis de 1875 em letra morta.

Há pouco menos de vinte anos após a Guerra Civil, a maioria dos negros apenas transitara da situação da escravidão para a de párias. O projeto de Thaddeus Stevens, o arquiteto do programa Radical de Reconstrução, que visava desmantelar os latifúndios sulistas e dividi-lo em lotes de “40 acres de terra e uma mula”, nunca foi implementado. Sem terras e sem salários, num Sul empobrecido pela derrota na guerra, os ex-escravos voltaram a cair na dependência dos seus antigos senhores. Grande parte deles tornou-se meeiro nas lavouras onde antes eram escravos. Podiam pelo menos casar e constituir famílias, bem como formarem congregações religiosas separadas. As igrejas protestantes do sul, particularmente as batistas, tornaram-se, nos longos e difíceis anos que se seguiram, os centros da comunidade negra e seu oásis espiritual. Por isso foram os alvos preferencias do terrorismo da Ku Klux Klan que as incendiavam em ataques noturnos.

Dois integrantes da Klan

Além das dificuldades econômicas decorrentes de uma região recém saída da guerra, a mais violenta da história do Novo Mundo, os negros tiveram outros impedimentos. Alexis de Tocqueville já observara que eles eram tratados com uma certa benignidade e até compaixão quando eram escravos, mas “ o preconceito que repele os negros parece crescer à proporção que os negros deixam de ser escravos, e a desigualdade grava-se nos costumes à medida que se apagam das leis”. Se escapavam dos grilhões da escravidão caiam presos nas algemas do preconceito. Os brancos, mesmo no Norte, nunca os consideraram iguais.

Esta situação agravou-se com a ascensão no mundo de então com as teses da superioridade racial do homem branco afirmadas pela ciência. A partir das teorias darwinistas - sua difusão deu-se nas décadas de 1860-70 -, com a vulgarização dos conceitos da “seleção das espécies” e da “vitória do mais apto”, discriminou-se os negros por alegações cientificas. Eles não haviam sido escravizados por uma maldição bíblica, por serem os amaldiçoados filhos de Cam, como diziam os teólogos escravistas, mas porque eram biológicamente inferiores. Logo, qualquer tentativa de equipará-los aos brancos era um atentado anti-científico, uma profanação à vontade de Deus. Assim explica-se que quando o presidente Hayes os abandonou nas mãos dos oligarcas e da ralé pobre sulista, os protestos dos nortistas foram frouxos. Proliferaram então as Leis Jim Crow (*) pelas quais criaram-se impedimentos artificiais aos negros para que eles não votarem nos estados do Sul.

Estimulado pelo ódio ao negro e o receio dele como homem livre, um imenso muro - o Muro da Segregação - começou a ser construído pelo racismo. Tijolo a tijolo, lei a lei, o muro cresceu. Até nos abrigos de surdos-mudos e cegos, brancos e negros foram separados. Na Carolina, eles não podiam “olhar juntos da mesma janela”. Em Atlanta, na Geórgia, existiam bíblias para negros e outras para os brancos quando eles fossem convocados para testemunhar num tribunal.

Assim os três pilares constitucionais - as 14ª e 15º Emendas e a Declaração dos Direitos de 1875 - que garantiam os seus direitos foram invalidados pelos governantes racistas dos estados do Sul.

Mas a mais terrível marca desse período foi o linchamento. Para impedir que os negros sequer ousassem reclamar dos seus direitos, eles foram submetidos pelos brancos a uma coação brutal, a um estado de sitio permanente, a ameaça de serem trucidados. O linchamento tornou-se uma espécie de “tribunal popular” da ralé sulista, que julgava, condenava e massacrava a vítima. Por qualquer motivo, tanto em cidades grandes como em remotos lugarejos, eles eram perseguidos por bandos de brancos sanguinários e mortos pelas mais pavorosas formas; do enforcamento à fogueira, não sem antes supliciaram-nos a socos e pauladas. Ora a justificativa era de que um deles não “tivera respeito” para com um caipira branco ou de que “lançara olhares lúbricos para uma branca”, crime considerado hediondo pelos racistas.

Preservar a pureza delas - a White Womanhood - de um possível “contagio” era uma obsessão dos racistas. Esta fobia é que explica que, a partir de 1910, mais de 30 estados americanos proibissem o casamento interracial. Desvairo que só irá se repetir na Alemanha nazista durante os anos trinta e na África do Sul durante o apartheid.

A segregação finalmente foi legitimada por uma outra decisão da Suprema Corte. Em 1896, no caso Plessy x Ferguson, os juízes aceitaram que apartar-se as raças era legal desde que respeitassem o princípio “separate but equal”, separados mas iguais. As estradas de ferro dali por diante podiam abrir vagões só para brancos e outros só para os negros, “desde que fossem iguais”, sem que isto ofendesse a constituição. Em pouco tempo, como num jorro, os avisos e placas “only for white”, ou “only for blacks”, ou simplesmente “white” e “colored”, espalharam-se pelos restaurantes, hotéis, lanchonetes, teatros e demais lugares públicos, inclusive bebedouros.

(*) Jim Crow foi um desses apelidos pejorativos, difundido por uma canção cômica de 1832, aplicados a qualquer negro nos Estados Unidos de então. Um equivalente ao nosso Zé Ninguém. Sua tradução mais aproximada seria as Leis do Zé Ninguém! Em alguns estados os negros eram submetidos a um exame sobre a constituição, em outros exigiam que seus antepassados já tivessem votado uma vez, o que era impossível por eles terem sido escravos.

O Compromisso de Atlanta

"Não é razoável para qualquer comunidade esperar que ela permita que o negro seja linchado ou queimado no inverno, e então recorra ao trabalho do negro na colheita do algodão no verão." - Booker T. Washignton, 1895

1895 foi um ano simbólico. No momento em que morria a mais expressiva liderança negra, o orador Frederick Douglass, o principal responsável pelo resgate da dignidade negra no século 19, um outro líder propunha um pacto de submissão ao branco. Naquele mesmo ano, em setembro, na exposição estadual do algodão em Atlanta, capital da Geórgia, Booker T. Washington, um emérito educador do Alabama, conclamou a que os negros abdicassem de lutar pela igualdade social e pelo acesso a uma educação superior. Que se conformassem em ser lavradores e artesãos, em trilhar uma “educação industriosa”. As idéias de igualdade para ele não passavam the extremest folly, de loucura!

Em troca desta renúncia, pediu Booker aos brancos que contratassem os negros. Que os empregadores “cast down your bucker”, lançassem seus baldes no estuário onde se encontravam, dispostos ao trabalho, oito milhões de negros americanos....” o mais paciente, fiel, obediente a lei, e submisso povo que o mundo já viu...” De nada adiantou. Se os brancos se encantaram com a oratória de capitulação de Booker T. Washigton - no chamado de o Compromisso de Atlanta - isto não mudou-lhes os sentimentos. Ao contrário. A filosofia de submissão de Booker estimulou os racistas a cometeram atrocidades ainda maiores, enquanto os esperados benefícios econômicos daquele postura se frustraram.

Vivendo na América, Claude McKay um poeta jamaicano horrorizado pela seqüência de linchamentos durante o chamado Red Summer, o Verão Vermelho de 1919, deixou-nos sua indignação nos versos:

“Se devemos morrer que não seja igual aos porcos, caçados e encurralados em lugares sórdidos, onde nos ronda o latido de cães loucos e famintos, caçoando do nossa maldita sorte Se nós temos que morrer que nos deixem ter uma morte digna”

O Movimento pelos Direitos Civis

"Se não há luta, não há progresso (...) Esta luta pode ser moral ou física: ou pode ser ambas, moral e física: mas tem que ser uma luta. O poder nada concede sem uma demanda. Ele nunca o fez nem o fará. Pode-se não receber por tudo aquilo que se pagou nesse mundo: mas, certamente, pagou-se por tudo aquilo que se recebeu." - Frederick Douglas, 1882

Cem anos depois da 14ª Emenda ter sido aprovada dando cidadania aos negros, em Montgomery, Alabama, uma costureira negra chamada Rosa Parks, tomada de um impulso, negou-se, num ônibus, a sair do lugar assinalado aos brancos. A policia a levou presa acusada de “desordem” por infringir as leis segregacionistas locais. Era o dia 1º de dezembro de 1955. Imediatamente ativistas dos direitos civis trataram de organizar um boicote contra os serviços de transporte urbano da cidade. Escolherem o reverendo Martin Luther King Jr. para liderá-los.

O dr. King era então um jovem pastor de 25 anos, filho de uma tradicional família de religiosos, graduado no Seminário Teológico Crozer, Filadélfia, e com Ph.D. na Universidade. de Boston. Desde cedo atraiu-se pelo movimento da não-violência de Gandhi na Índia. Mesmo que lhe dinamitassem sua casa o dr. King não deixou de comandar o boicote até que treze meses depois, um tribunal federal revogou a lei segregacionista. Com o sucesso do bus boycott, ele tornou-se uma personalidade nacional. Virou uma celebridade.

Como observou Lerone Bennett, Jr., King “transferiu a luta dos tribunais para as ruas, das bibliotecas de direito para os púlpitos das igrejas, da mente para a alma”. Sim, porque até então a luta anti-segregacionista era travada nas cortes de justiça onde os advogados militantes da NAAC (National association for the advencement of colored people, fundada em 1909) procuravam constranger os juízes, demonstrando a contradição entre as leis isonômicas da democracia americana e a realidade da discriminação racial.

Capitalizando as energias despertadas pelo fim da segregação, ainda que em uma só das cidades, ele fundou a SCLC (The Southern Christian Leadership Conference) que passou a ser a base de suas operações em todo o Sul. Tornou-se um peregrino da causa dos direitos civis, um Freedom fighting, um combatente da liberdade, realizando a difícil tarefa de transformar os princípios sócio-teológicos do cristianismo - inspirado por sua leitura do livro de Walter Raschenbush “The Social Principles of Jesus” -, em realidade. Procurou atrair para ela, para a sua grande causa, graças a sua extraordinária capacidade de “dramatizar a verdade”, outros lideres religiosos afim de evitar que o movimento, em algum momento, resvalasse para a violência. Depois de uma viagem à Índia, em 1959, onde foi recebido por Nehru, retornou ainda mais convencido de que a não-violência era o melhor caminho que os oprimidos tinham a trilhar na sua luta pela liberdade.

Uma nova e vigorosa liderança negra nascia para romper definitivamente com o Compromisso de Atlanta. De nada serviu a abdicação da luta pela igualdade social nem seguir apenas a “educação industriosa” recomendada por Booker T. Washington. No anos 60, eles compunham 10,5% da população, quase 22 milhões de negros, mas o número de pobres e marginalizados entre eles era superior a qualquer outra comunidade étnica americana.

A maioria das boas universidades continuavam fechadas a eles pois não tinham dinheiro nem os pré-requisitos para frequentá-las. Suas escolas eram pobres com professores desestimulados pelos baixos salários. Ao tentarem, no Sul, ingressar nos colégios de 2º grau, foi preciso mobilizar-se tropas federais, como ocorreu em Little Rock, no Arkansas, em 1957. O mesmo repetindo-se com James Meredith ao pleitear estudar na Universidade do Mississippi (*).

Nas cidades amontoavam-se em guetos, como o célebre Harlem de Nova York, cercados pela violência, as drogas o álcool e o banditismo. Nos campos do sul, onde muitos ainda estavam, moravam em choupanas drab and miserable, tristes e miseráveis, ocupando terras improdutivas, sem crédito e sem assistência técnica. Condenavam-se a ter empregos inferiores, rejeitados pelos brancos, mal-remunerados e desprotegidos, o que levava-os a reproduzir uma vida medíocre e desesperançada. Isto tudo era mais doloroso porque viviam no pais mais rico e próspero do mundo. Apesar dos notáveis avanços de muitos deles, a maioria estava ali, à margem, vagando como almas penadas, limitando-se, como disse Lerome Bennett Jr., to sing, to pray, to cry, “a cantar, a rezar e a chorar”!

Poucos espaços a sociedade branca lhes reservara. Mas nos que sobraram eles brilharam. A partir da grande migração negra para o Norte, fugindo dos linchamentos e da homicida segregação dos racistas do Sul, a música negra começou a ganhar o coração dos americanos. Primeiro foi o ragtime, em seguida foi o jazz e suas inúmeras variações. Kansas City, Chicago e depois Nova York, tornaram-se os grandes centros de difusão da música negra americana que, a partir dos anos vinte, iniciou a conquista do mundo. Os negros confiavam que seus grandes artistas, extremamente dotados de sensibilidade, pudessem enternecer a dura alma do branco. A cantora de blues Billie Holiday, morta em 1959, talvez tenha sido a principal porta-voz, ainda que inconsciente, desta esperança.

(*) neste incidente foram convocadas, por ordem do governo de Eisenhower, as tropas da Divisão 101º aerotransportada para assegurar o direito de 9 adolescentess negros de terem acesso à escola pública de 2º grau. Kennedy igualmente recorreu à forças federais para apoiar James Meredith.

Mais adiante de Lincoln

"...a semente do dragão da escravidão, abolida há cem anos atrás, continuará germinando no solo sulista se nós não a arrancarmos com mão forte." - John F. Kennedy, 1963

As táticas das lideranças negras mudaram. Não era mais uma elite de advogados educados que buscava a igualdade sensibilizando os juízes. Formou-se nos anos 60 um movimento de massas. Jovens negros não suportavam mais a passividade dos seus pais e ancestrais. Milhares deles participaram dos sit-ins, - o primeiro ocorreu em Greensboro, na Carolina do Norte, em 1º de fevereiro de 1960 - protestos não-violentos em lancherias, restaurantes e outros lugares públicos, onde reclamaram serem atendidos como qualquer outro cidadão americano.

A eles se somaram os Freedom Riders, os Cavaleiros da Liberdade, jovens negros e brancos, intelectuais, artistas e religiosos, que partiam do Norte em caravanas em direção ao Sul, para pressionar as autoridades locais a pôr fim na segregação. O Sul reagiu com violência. Governadores, prefeitos e xerifes empregaram o aparato policial contra os militantes dos direitos civis(*).

Para chamar a atenção do pais para o que ocorria lá, o dr. King apelou para que seu povo e os simpatizantes brancos marchassem juntos à Washington D.C. para uma grande manifestação à favor da imediata aprovação pelo Congresso de uma nova lei dos Direitos Civis. O Presidente John Kennedy, empossado em janeiro de 1961, tentara fazê-la passar mas a coalizão entre os racistas do Sul e os conservadores do Norte o impediu.

No dia 23 de agosto de 1963, uma multidão calculada em 250 mil pessoas juntou-se em frente ao Memorial de Lincoln na capital do país. Ali, à sombra da estátua do libertador dos escravos, o dr. King falou ao entardecer. Compôs, de improviso, uma das mais extraordinárias orações da língua inglesa. Um salmo político que se tornou um libelo universal à favor da igualdade racial e da liberdade.

Eu tenho um sonho!

Eu tenho um sonho no qual um dia esta nação se erguerá e viverá o verdadeiro princípio do seu credo: Nós acreditamos que esta verdade é auto-evidente, de que todos os homens são criados iguais.

Eu tenho um sonho de algum dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos escravos e os filhos dos senhores de escravos se sentarão juntos na mesa da fraternidade. Esta é a nossa esperança. É com esta fé que eu retorno ao Sul.

Com esta fé nos estaremos prontos a trabalhar juntos, a rezar juntos, a lutar juntos, a irmos para a cadeia juntos, a nos erguermos juntos pela liberdade, sabendo que seremos livres algum dia.

Este será o dia quando os filhos de Deus estarão prontos a cantar com um novo significado: Meus país...doce terra da liberdade, para ti eu canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos Peregrinos, de qualquer lado da montanha, deixe tocar o sino da liberdade.

E se a América será uma grande nação um dia isto também será verdadeiro.

Assim deixe tocar o sino da liberdade!

Quando nos deixarmos o sino da liberdade tocar, quando o deixarmos tocar em qualquer vilarejo ou aldeola, de qualquer estado, de qualquer cidade, nós estaremos prontos para nos erguer neste dia, quando todos os filhos de Deus, brancos ou negros, judeus ou gentios, protestantes ou católicos, estaremos prontos para nos dar as mãos e cantar as palavras de um velho spiritual negro:

Por fim livres! Por fim livres! Graças senhor Todo-Poderoso, estamos livres enfim.

Martin Luther King, 23 de agosto de 1963 (Lincoln Memorial, Washington D.C.)

(*) A oposição ao movimento do dr. Martin Luther King não partia apenas dos racistas. Jovens extremistas do Black Power, o poder negro, consideravam-no muito moderado, enquanto os Black Muslims, os muçulmanos negros, que pregavam uma total separação de raças, acreditavam-no um conciliador para com os brancos.

Conclusões

"A verdade nos fará livres/ a verdade nos fará livres/ a verdade nos fará livre um dia/ Oh, eu creio do fundo do coração? que nós vencermos um dia.." - We shall overcom, tida como a Marselhesa negra

Da mesma forma que o assassinato do Presidente Abraão Lincoln, em 15 de abril de 1865, acelerou a aprovação da emenda redentora, a dramática morte a tiros do Presidente John F. Kennedy, em 22 novembro de 1963, em Dallas, Texas, tornou impossível a rejeição da nova Lei dos Direitos Civis. Foi seu sucessor, o Presidente Lyndon B. Johnson, um sulista, quem a sancionou em 2 de julho de 1964, sete meses após da tragédia de Dallas.

Nos seus principais artigos ela determinou que fossem removidos quaisquer impedimentos erguidos contra minorias em seus direitos de votar. Baniu a segregação nos lugares públicos e dessegregou as escolas públicas, os sindicatos e os locais de emprego, bem como impedindo qualquer discriminação no acesso aos recursos dos fundos da assistência federal.

Abriu-se o caminho para um grande projeto de integração racial. O próprio Presidente Johnson lançou as bases da chamada Grande Sociedade (The Great Society), que pretendia abolir com a pobreza no país. Parte do plano foi levado em frente, ainda que prejudicado pelo enorme desgaste do envolvimento do seu governo na Guerra do Vietnã. As verbas para a educação e assistência aumentaram e, mais tarde, tiveram seguimento com a ação afirmativa (affirmative-action) que procurou atender os desejos de educação superior e emprego por parte dos jovens negros.

Martin Luther King Jr. sabia que era um homem marcado para morrer. Os racistas jamais iriam perdoá-lo. Mas ainda teve cinco anos pela frente onde saboreou vitórias parciais do “Nonviolence”. Foi assassinado, por um atirador solitário, em 4 de abril de 1968 em Memphys, no estado racista do Mississippi.

Sua morte contribuiu para que a sociedade americana tomasse em suas mãos a decisão de enfrentar com mais rigor e medidas práticas a tragédia do racismo. Manter os negros segregados revelou-se não só uma desumanidade mas um fator permanente de insegurança - a seqüência dos motins raciais na década dos anos 60 foi devastadora - e de desgaste da imagem do país - símbolo da democracia - perante o mundo. Provocada a América reagiu.

Hoje ostenta uma poderosa classe média negra auto-confiante que não mais aceita que se divulgue pela mídia em geral e pelo cinema, imagens pejorativas dos negros. Se graves problemas de marginalidade e violência ainda cercam boa parte da população afro-americana, é visível a emergência de bolsões de prosperidade. Ainda que o racismo sobreviva é fator significativo que a maioria da opinião publica norte-americana o encare como uma perversão cultural a ser superada. O muro da segregação, tal como o muro ideológico que até a pouco separava Ocidente do Oriente, começou, pedra por pedra, a ser desmontado.

Bibliografia

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Bennett, Jr., Lerone- Before the Mayflower: A History of the Negro in America, 1619-1964, Penguin Books, Baltimore, Maryland, 1966

Branch, Taylor - Parting the waters: America in the King years, 1954-63, Simon & Schuster, N. York, 1988

Branch, Taylor - Pillar of fire: America in the King years, 1963-65, Simon & Schuster, N.York, 1998

Brock, William R. - Conflict and Transformation: the United States, 1844-1877, Penguin Books, N.Y., 1978

King Jr., Martin Luther - Letter from the Birmingham jail, in M.L.King, a profile, Hill and Wang, Nova Iorque, 1970

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Meier, August - Rudwig, Eliott - From Plantation to Ghetto, Hill and Wang, Nova Iorque, 1970

Moog, Vianna - Em busca de Lincoln, Editora Civilização Brasileira, RJ, 1968

Morris, Richard B. - Documentos básicos da História dos Estados Unidos, Editora Fundo de Cultura, RJ, 1964

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Thomas, Benjamin - Abraham Lincoln, Alfred A. Knopf, Nova Iorque, 1957

Fonte: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/martin_king.htm

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Soul Brasil

O balanço dos blacks se aclimata nos trópicos

Assim como o rock, a soul music de nomes como James Brown, Otis Redding e Aretha Franklin também teve grande penetração no cenário da música brasileira dos anos 60. Traços do balanço negro americano podem ser detectados em algumas das primeiras músicas de Jorge Ben Jor (Agora Ninguém Mais Chora, Negro É Lindo, Que Nega É Essa) e, mais flagrantemente, em outras de Wilson Simonal na fase Pilantragem (caso de Mamãe Passou Açúcar em Mim, País Tropical, Tributo a Martin Luther King). No entanto, foi um dos companheiros de Ben Jor na turma roqueira da Rua do Matoso, na Tijuca (onde também apareceram Roberto e Erasmo Carlos) quem iria iniciar a saga do soul brasileiro: Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia.

Aos 17 anos de idade, em 1959, Tim embarcou para os Estados Unidos, onde se enfronhou na black music, chegando a participar do grupo The Ideals. Já aqui, começou a compor no estilo da soul music que havia ouvido na América. Logo sua fama começou a correr e, em 1969, Elis gravou em dueto These Are The Songs (uma das várias canções que Tim tinha escrito em inglês), que saiu no disco Em Pleno Verão. Em 1970, ele gravou seu primeiro disco, Tim Maia, um dos maiores sucessos do ano, amparado em músicas suas como Azul da Cor do Mar, uma baião soulidificado (Coroné Antônio Bento, de Luís Wanderley e João do Vale) e Primavera, composição de um futuro gigante da soul music brasileira: Genival Cassiano. Paraibano, ele começou tocando violão no Bossa Trio, que deu origem ao grupo vocal Os Diagonais, que se empenhava na mistura de soul e samba na virada dos 60 para os 70. Sua carreira solo começou em 1971, com o LP Cassiano, Imagem e Som.

Ainda em 1970, a soul music brasileira explodiria no V Festival Internacional da Canção, com a vitória, na fase nacional, de BR-3, canção de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar, defendida por Toni Tornado, que seguiria como intérprete, em discos sempre sob a bandeira da black music. Tim Maia, por sua vez, iria década adentro enfileirando sucessos, como Não Quero Dinheiro (só quero amar), Réu Confesso e Gostava Tanto de Você. Cassiano emplacou duas: A Lua e Eu e Coleção, parcerias com o guitarrista Paulo Zdanowski. Já em 1975, apareceria a terceira grande força do soul brasileiro, ao lado de Tim e Cassiano: o baiano Hyldon, que estourou a sua balada Na Chuva, Na Rua, Na Fazenda, faixa-título de seu primeiro disco, que ainda deu os sucessos Na Sombra de uma Árvore e As Dores do Mundo.

Discípulos do funk

Quase toda ela baseada no Rio de Janeiro, a turma do soul brazuca dos 70, já tingida pelas cores mais fortes do funk e do movimento black power floresceu e revelou nomes como o do pernambucano Paulo Diniz (I Want To Go Back To Bahia), de Gerson King Combo (ex-dançarino, irmão do grande compositor da Jovem Guarda, Getúlio Côrtes, e espécie de James Brown nacional, com as músicas Mandamentos Black e O Rei Morreu (Viva o Rei)) e de Carlos Dafé (Pra que Vou Recordar o que Chorei), Robson Jorge e Miguel de Deus (do disco Black Soul Brothers). Por outro lado, a MPB também absorveu as influências do funk-soul, em trabalhos como Black Is Beautiful e Mentira, gravados pelo bossanovista Marcos Valle, e no samba-soul de Jorge Ben Jor, Bebeto e Trio Mocotó. Ivan Lins, alguns hão de lembrar, começou sua carreira nessa época desfilando o mais inconfundível acento soul, em músicas como O Amor É Meu País.

Mais para o fim dos anos 70, o fenômeno dos bailes black nos subúrbios cariocas deu origem a um movimento de afirmação da negritude via James Brown que ficou conhecido como Black Rio. Ele acabou por batizar uma banda formada por músicos oriundos dos grupos Impacto 8 e Abolição (que, sob a batuta do pianista Dom Salvador, fez soul music brasileira no começo dos 70), interessados em dar um toque de gafieira ao funk, soul e jazz importados. O LP Maria Fumaça, de 1977, marcou a estréia da Banda Black Rio, cuja empolgante sonoridade transformou-se em objeto de culto na cena acid jazz inglesa da metade dos anos 90.

Enquanto isso, na matriz, a virulência do funk começava a ser substituída por uma versão amenizada da black music, feita para as pistas dos clubs e para o consumo de massa, sem sombra de pregação racial. Era a discoteque, de Donna Summer, Chic e Earth Wind & Fire, que teve sua melhor tradução no Brasil com as Frenéticas, atrizes-cantoras arregimentadas pelo produtor e compositor Nelson Motta para trabalharem como garçonetes da sua casa Dancin' Days. A casa deu título a uma novela, cuja música-tema, cantada pelo grupo, detonou a onda disco no Brasil. Outra diva disco made in Brazil foi Lady Zu (Zuleide), paulistana (São Paulo, por sinal, também teve uma forte cena black) que estourou com a música A Noite Vai Chegar. Na mesma onda, embarcaram o insuspeito Gilberto Gil (no bem-sucedido LP Realce), Tim Maia (em Tim Maia Disco Club, que trouxe a música Sossego) e o produtor e tecladista Lincoln Olivetti (mentor do som funk-pop de Realce e de tantos outros discos da MPB), que gravou com Robson Jorge a música Aleluia, grande sucesso nas rádios.

Os anos 80 começaram com uma revelação do soul brasileiro: no Festival MPB-80 da TV Globo, a carioca Sandra (de) Sá ganhou projeção nacional ao defender a música Demônio Colorido e, no mesmo ano, gravou seu primeiro disco. Seguiriam-se ao longo dos 80 sucessos como Olhos Coloridos, Vale Tudo (antológico dueto com Tim Maia), o samba soul Enredo do Meu Samba (Dona Ivone Lara e Jorge Aragão) e Joga Fora (de Michael Sullivan e Paulo Massadas).

Embora inicialmente englobado no movimento roqueiro, a banda Brylho (de A Noite do Prazer) foi outra revelação do soul brasileiro do começo dos 80. Em suas hostes, estavam um parceiro (Paulo Zdanowski) e um discípulo (o guitarrista e vocalista Claudio Zoli) de Cassiano. Em 1986, Zoli iniciaria uma carreira solo, que o tornou um dos grandes batalhadores da soul music nacional, ao lado de Sandra e Tim Maia, que continuou sua trajetória com sucessos, uns mais dançantes (Descobridor dos Sete Mares, Do Leme ao Pontal), outros mais românticos (Me Dê Motivo, Telefone). Outra banda do Rock Brasil dos anos 80 que fez do soul a sua base foi a paulistana Skowa e a Máfia.

A nova geração
Grande conhecedor de rock, funk e soul music, o adolescente tijucano (e sobrinho de Tim Maia) Ed Motta passou boa parte da década de 80 talhando sua voz para o estrelato. Com o amigo guitarrista Luís Fernando, montou a banda Expresso Realengo, prontamente rebatizada de Conexão Japeri. Contratada por uma gravadora, ela gravou em 1988 (quando Ed ainda tinha 16 anos de idade) o disco Ed Motta & Conexão Japeri, que deu para as rádios balanços certeiros como Manoel e Vamos Dançar e iniciaram um novo capítulo no soul brasileiro. Afastado do Conexão, Ed sofisticou sua receita soul e gravou só com o baixista Bombom o seu segundo disco, Um Contrato com Deus, com faixas em português (Condição) e inglês (Do You Have Other Loves?).

Ed morou algum tempo em Nova Iorque, onde gravou um disco que não foi lançado (em estilo totalmente americano) e, paradoxalmente, começou a se aproximar da música brasileira (que costumava rejeitar). Em 1992, o cantor gravou o jazzístico e retrô Entre e Ouça, um fracasso comercial no qual foi incorporada mais uma língua às canções: o edmottês, que surgia quando ele tentava letrar seus scats. A primeira mostra da assimilação da música brasileira (de compositores harmonicamente sofisticados, como Tom Jobim, Edu Lobo e Guinga) foi na canção Falso Milagre do Amor, tema de abertura do filme Pequeno Dicionário Amoroso (1997), de Sandra Werneck. No mesmo ano, Ed Motta lançou o disco Manual Prático Para Bailes, Festas e Afins Vol. 1, no qual ele conseguiu enfim aliar a elaboração musical ao apelo popular – músicas como Fora da Lei, Daqui Pro Méier e Vendaval ajudaram-no a fazer as pazes com o sucesso.

Ed Motta reinou nos anos 90 – e levou adiante o cetro do tio, que morreu em 1998 –, mas uma série de nomes não deixaram que o Soul Brasil ficasse como monopólio. Caso de Sandra de Sá (que lançou o disco tributo a Tim, Eu Sempre Fui Sincero e Você Sabe Muito Bem), Conexão Japeri (que ainda gravou dois discos sem Ed), Edmon Costa, Zé Ricardo, As Sublimes, Ebony Vox, Lúci e Léo M (filho adotivo de Tim Maia), só para ficarmos com os cariocas. Ainda no Rio, surgiu no começo da década uma vertente mais melódica, de inspiração soul, do rap Miami Bass tocado nos bailes funk. Batizada de Funk Melody, ela revelou nomes como Latino, Claudinho & Buchecha, Copacabana Beat e Marcinho & Goró.

O soul-funk carioca tornou-se quase um subgênero nos anos 90, servindo de base para trabalhos de artistas gestados no cenário do pop-rock 80, como a ex-Blitz Fernanda Abreu (uma espécie de rainha samba-funk-disco extemporânea) e Lulu Santos (a partir do disco Assim Caminha a Humanidade, de 1994). São Paulo, porém, deu as caras na área soul, em duas vertentes. Uma foi a dos artistas de rap que avançaram pelos terrenos do groove e das melodias: Sampa Crew, Thaíde & DJ Hum e Bennê. Outro, o dos que exploraram as modernidades soul apresentadas por americanos como Prince, TLC, Maxwell e Babyface (num gênero também conhecido como R&B). É o caso de bandas como a Fat Family e artistas como João Marcelo Bôscoli e Pedro Camargo Mariano (filhos de Elis Regina), Maurício Manieri e, fechando o ciclo do soul brasileiro, Max de Castro, filho de Wilson Simonal, que no começo de 2000 lançou o conceitual Samba Raro.

Fonte: http://cliquemusic.uol.com.br/br/generos/generos.asp?nu_materia=58

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Biografia


Carlos Lamarca nasceu no dia 27 de outubro de 1937, no bairro do Estácio, zona norte, do Rio de Janeiro. Seu pai, Antônio Lamarca era sapateiro, e sua mãe, Gertrudes, dona de casa. Lamarca tinha seis irmãos. Desde criança era um homem decidido e sempre teve liderança nas brincadeiras com os outros garotos. Cursou o primário na Escola Canadá e o ginasio no Instituto Arcoverde, sendo o único único dos filhos a chegar a ter curso superior.

Em 1947, Carlos Lamarca ingressa na Escola Preparatória de Cadetes em Porto Alegre e se mostra um cadete muito aplicado. Em 1957, é transferido para Rezende, para Academia Militar de Agulhas Negras. Na Academia, Lamarca lê o jornal "A Voz Operária", do PCB, e começa a se simpatizar com as idéias comunistas. Em 1958, Lamarca fica noivo de Maria Pavan, uma amiga de infância. Em 1959 ainda aspirante e contra o regulamento, casa-se secretamente com Maria, que já esperava o primeiro filho. Lamarca e Maria vão morar no campo do Santana no Rio de Janeiro e no dia 5 de maio de 1960 nasce César Lamarca.

Ainda em 1960 Lamarca é declarado oficialmente aspirante, e vai servir em São Paulo, no 4º Regimento de Infantaria em Quitaúna, Osasco. Em 1962 vai servir como segundo tenente nas forças da ONU, na ocupação do canal de Suez, no Oriente Médio. No Suez, Lamarca começa a tomar consciência da pobreza do povo Árabe e compara a situação do povo Árabe com a do povo brasileiro. Nessa época Maria Pavan já estava grávida novamente; a criança nasce em outubro de 1962 e se chama Cláudia. Em 1963, volta ao Brasil, quando as idéias comunistas vão ganhando mais força em Lamarca através da leitura de clássicos marxistas. Lamarca serve até 1965 na 6ª companhia da polícia do Exército, em Porto Alegre. Lamarca considerava Leonel Brizola um autentico líder popular, admirou a sua tentativa de resistência no Rio Grande do Sul e deplorou a atitude de Jango considerando-a covarde. Lamarca jamais concordara com o golpe militar, e não suportava ser guardião de presos políticos. Numa noite de sábado, em dezembro de 1964, promoveu a fuga do Capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Dandt que era acusado de atividades subversivas. Foi aberto um inquérito para apurar os responsáveis, mas o inquérito não deu em nada.
Após esse acontecimento Lamarca pede transferência para o 4º regimento de Infantaria em Quitaúna. Em Quitaúna Lamarca reencontra velhos amigos: o cabo José Mariane, o sargento Darcy Rodrigues, todos eles de oposição dentro do Exército. Em Quitaúna Lamarca organiza um clube, um local para que os militares de oposição pudessem discutir política dentro do Quartel. Mariane, Darcy e Lamarca estavam convencidos da necessidade de estruturar o foco guerrilheiro numa área rural. Lamarca se une ao grupo de revolucionários do 4ª Regimento, e logo a rede política se expande e chega até outras corporações. Apesar da atividade política Lamarca segue a risca suas obrigações no exército, tornando-se um oficial exemplar e se mostrando um excelente atirador. Perante os soldados Lamarca era severo mas amigo, sempre procurando ajudá-los e chegando até a emprestar dinheiro, mas perante os outros oficias era o inverso. Em 25 de agosto de 1967, Carlos Lamarca é promovido a Capitão. Nesse ano ele retoma os estudos sobre marxismo, o trabalho político que desenvolve com os outros militares "revolucionários" vai prosperando, e a sua idéia de guerrilha se consolida em seus planos.

Em 1967 Lamarca sente muito a morte de Che Guevara e diz "perdemos um dos maiores líderes internacionalistas mas a vida é assim: ou se morre ou se vence. Che Guevara morreu, mas deixa sua semente, raízes que não morrerão".

O ingresso na VPR e a VAR-Palmares

Em 1968 Lamarca procura uma organização que tivesse em seus planos deflagrar guerrilha e levar o povo ao poder. Entra em contato com a VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), com Carlos Marighela, ex-dirigente do PCB e principal comandante da ALN (Aliança de Libertação Nacional), e encontra-se também com a direção do PC do B. Lamarca e o sargento Darcy ingressam na VPR em dezembro de 1968. Lamarca foi convencido pelos dirigentes da VPR que após roubar as armas do quartel a VPR teria um local para iniciar a guerrilha rural. O sargento Darcy desviava do quartel munição e granadas, já que ele falsificava documentos sobre o gasto de munição nos treinamentos. Três dias antes de Lamarca roubar as armas do quartel, militantes da VPR são presos, e por saberem os nomes de Lamarca, Darcy e Mariane os três resolveram tirar as armas do quartel imediatamente. Então no dia 24 de janeiro de 1969 Lamarca entra com sua Kombi no quartel de Quitaúna e retira 63 fuzis FAL, três metralhadoras INA e munição. Em certo momento, dois sargentos perguntam a Lamarca para que as armas estavam sendo retiradas, e ele responde que é para um treinamento de tiro, e nesse momento Lamarca passa a viver na clandestinidade. Na verdade a VPR ainda não tinha condição de fazer a guerrilha, como havia dito.

Maria Pavan e os dois filhos saem do Brasil por segurança e vão morar em Cuba até 1969. Após o roubo ao quartel Lamarca passa a viver em aparelhos em São Paulo. Três meses após o roubo, Lamarca participa de sua primeira ação armada, ocorrida no dia 9 de maio de 1968, quando a VPR assaltou dois bancos, o Mercantil e o Itáu, ao mesmo tempo. Durante o assalto Lamarca vê o guarda civil Orlando Pinto Saraiva apontar a arma em direção a Darcy e então dispara e acerta a nuca do guarda. Mesmo participando da luta armada Lamarca desejava a guerra de guerrilhas no campo. A rotina de Lamarca se mantia, ele era obrigado a passar o dia todo escondido em apartamentos da VPR, com isso ele ocupa seu tempo estudando marxismo lendo sobre Trotsky, Lenin, Mao, Che Guevara, já que ele nesse momento ainda não possuía grandes conhecimentos teóricos.

Lamarca enfrenta outro problema; além de não existir a área de guerrilha, a VPR a partir de janeiro de 1969 estava passando por um momento difícil após a prisão de vários militantes. Devido à crise, a VPR convoca um congresso para se discutir as próximas ações. Nesse congresso Lamarca é nomeado dirigente, ele aceita esse cargo a contra gosto, pois perseguia somente o papel de líder da guerrilha rural e não de uma organização tipicamente urbana onde seria obrigado a dar respostas a problemas não militares. Já como dirigente Lamarca conhece Iara em abril de 1969. Era uma militante que passara por algumas organizações e que no inicio de 1969 tinha a função de manter contato ente a VPR e a Colina. Em junho de 1969 a VPR se une à Colina e forma VAR- Palmares. As duas tinham divergências, mas possuíam um ponto em comum, a luta armada através da guerrilha, para uma futura união das duas organizações. Lamarca e Iara se apaixonam, mas Lamarca tenta lutar contra esse sentimento, já que não seria justo com Maria que estava fora do país. Lamarca reluta em ficar com Iara, mas no meio de 1969 ele assume seu relacionamento com Iara e passam a viver juntos sempre que possível.

No dia 18 de julho de 1969 Lamarca e seus companheiros roubam o cofre da casa da amante de Adhemar de Barros, um político corrupto, e quando o abrem vêem uma montanha de dinheiro, um total de 2 milhões e 500 mil dólares. Os militantes tiveram que trocar os dólares também no mercado negro, já que as casas de cambio freqüentemente eram vigiadas. Cada militante recebeu 800 dólares para despesas, uma parte foi utilizada para preparar novas ações, uma fortuna foi gasta para manter os militantes na clandestinidade e 600 mil dólares caíram nas mãos da repressão.

A nova VPR

Entre Julho e Agosto de 1969 se realiza o congresso da VAR-Palmares. Desse congresso, Lamarca, Iara e outros companheiros saem da VAR por causa de entre outros motivos a relutância da VAR em se dirigir ao campo para guerra de guerrilhas. Com isso Lamarca refunda a VPR absorvendo vários dissidentes da VAR. A nova VPR é fundada oficialmente no final de 1969, comprando um sítio no vale do Ribeira que seria usado para treinar os militantes para guerrilha. Em janeiro de 1970 já havia chegado todos os militantes que receberiam treinamento, inclusive Iara. Mas um sério distúrbio ginecológico hormonal fez com que Iara fosse obrigada a abandonar o campo de treinamento.

Após o treinamento, o plano seria enviar alguns militantes para duas regiões do nordeste para desencadear a guerra de guerrilhas, mas a prisão de Mário Japa, dirigente da VPR que conhecia a localização do sítio de treinamento, fez com que se desmobiliza-se parcialmente o campo de treinamento, já que Mário estando preso e sofrendo torturas poderia entregar o campo. Preocupados com a vida de Mário Japa a VPR decide seqüestrar o cônsul do Japão. Com o seqüestro, Mário e outros companheiros são soltos, mas a repressão continua a prender vários militantes, e dois desses militantes delatam a área de treinamento. Lamarca ao saber da delação, inicia a evacuação da área. Oito companheiros saem do campo de treinamento, nove permanecem, eram eles: Lamarca, os ex-sargentos Darcy Rodrigues e José Araujo Nóbrega, Gilberto Faria Lima, Ioshitante Fujimoto, Edmauro Gopfert, Diogenes Sabrosa, o ex-soldado Ariston Lucena e José Lavenchia. Os guerrilheiros estavam escondidos em áreas perto do campo principal. Lá pelo dia 22 de Abril já havia 1500 homens à procura dos guerrilheiros, com a ajuda de vários helicópteros e aviões com pára-quedistas.

José Lavenchia e Darcy Rodigues são presos pelo exército no dia 27 de Abril, e os outros guerrilheiros continuavam a fugir. Lamarca e seu pequeno grupo se mostram extremamente eficientes contra o exército. José Araujo Nobrega e Edmauro também são presos pelo exército. No dia 8 de Maio, Lamarca, num confronto consegue render um tenente, dois sargentos, dois cabos e doze soldados, e lê os termos de rendição para o tenente:1- os guerrilheiros não fuzilariam ninguém;2- os feridos seriam atendidos, facilitando o transporte dos mesmos;3- os guerrilheiros apenas trocariam algumas armas sem expropriar nenhuma;4- reabasteceriam de munição as armas;5- O tenente levantaria o bloqueio do exército em Sete Barras (cidade próxima).

O tenente concordou com os termos só que não ordenou o levantamento do bloqueio, fazendo com que Lamarca e seu grupo caíssem numa emboscada. Os guerrilheiros conseguem fugir da emboscada e decidem executar o tenente, afinal, ele não havia cumprido o acordo e não havia condição de prosseguir com ele naquela situação de cerco. O tenente deveria ser fuzilado mas para não fazer barulho o executam com uma coronhada de fuzil no dia 10 de maio. Lamarca e seu pequeno grupo continuavam a fugir, começam a fazer contato com os camponeses da região para obter comida e se impressionam com a maneira como eram bem recebidos na maioria das vezes. Alguns camponeses que ajudaram o grupo de Lamarca foram mortos e torturados pelo exército.

Lamarca decide que o companheiro Gilberto Faria Lima, que não estava identificado pelos órgãos de repressão, deveria sair da região para buscar ajuda em São Paulo. No dia 30 de Maio Gilberto pega um ônibus para a Capital sem problemas. No dia 31 de maio Lamarca e seu grupo montam uma emboscada e conseguem capturar um veiculo do exército, fazem 5 prisioneiros, sendo um sargento e quatro soldados. Os guerrilheiros vestem os uniformes dos prisioneiros e conseguem passar pelo bloqueio do exército sem problemas, Seguem para São Paulo e, ao chegarem lá, abandonam o caminhão e deixam os prisioneiros amarrados na caçamba. Lamarca e seu grupo conseguem incrivelmente escapar do Vale do Ribeira, mesmo sendo perseguidos por milhares de soldados e sendo bombardeados por aviões. Essa vitória prova que um pequeno grupo se movimentando rapidamente, com tática de guerrilha é extremamente eficiente. Após a fuga no Vale do Ribeira, Lamarca encontra sua organização em crise devido à prisão de vários militantes. No início de junho de 1970 o Conselho Permanente de Justiça da 2° Auditoria Militar de São Paulo condena Lamarca à revelia a 24 anos de prisão pelo roubo de armas do Quartel de Quitaúna, condena o ex-cabo Mariane a 12 anos e o ex-sargento Darcy Rodrigues a 16 anos.

Devido à situação difícil por que passava a VPR, ele decide junto com a ALN realizar mais um seqüestro. O seqüestro foi realizado no Rio de Janeiro, quando alguns militantes cercaram o carro do embaixador da Alemanha Ocidental e o seqüestraram. No dia 12 de junho, um dia após o seqüestro, o presidente Médici e os ministros da justiça militar e das relações exteriores decidem aceitar parte das exigências dos seqüestradores. Os militares permitem que seja publicado na imprensa um manifesto dos militantes de nome "Ao povo brasileiro". No dia 13 de junho o governo concorda em libertar presos políticos, e dois dias depois um avião levanta vôo levando 40 presos políticos para a Argélia. Entre os presos libertados estão: José Lavenchia, Darcy Rodrigues, José Araújo Nobrega e Edmauro Gopfert. Em Setembro de 1970 Lamarca vai para um aparelho no interior do estado do Rio. Lamarca ainda acreditava na guerrilha, mas estava muito preocupado com o crescente número de companheiros presos e torturados, e também percebia que grande parte do povo não estava preocupado com os presos políticos e com as torturas que eles sofriam, mas que o trabalhador explorado continuava submisso e calado.

No dia 7 de Dezembro de 1970, Lamarca comanda o seqüestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, no bairro de Laranjeiras no Rio de Janeiro. No momento do seqüestro o agente de segurança Hélio Araújo de Carvalho é ferido e morre no hospital, o motorista é dominado e os militantes levam o embaixador para o cativeiro. A VPR faz as seguintes exigências para libertar o embaixador: O governo deveria soltar 70 presos políticos, divulgar textos de propaganda e distribuir gratuitamente passagens nos trens do subúrbio até o final das negociações. Mas dessa vez o presidente Médici endureceu e só concordou em libertar os presos políticos. A VPR manda várias listas com os nomes dos presos que deveriam ser soltos mas o governo não concorda em libertar alguns presos citados. A nova estratégia do governo surpreende a VPR que só tinha duas opções: aceitar as condições do governo ou matar o embaixador. A maioria decide matar o embaixador, mas Lamarca é contra porque matar o embaixador iria repercutir mal junto ao povo e afinal se deixaria de libertar 70 companheiros que estavam sofrendo todo o tipo de tortura nos porões da ditadura. Então Lamarca, como comandante da operação, diz: "Sou o comandante da ação, decido eu. Não vamos matar Bucher". Após se chegar a um acordo acerca dos presos que seriam libertados, 70 presos políticos partem no dia 16 de janeiro rumo ao Chile de Allende.
Lamarca no MR-8
Após o fim do seqüestro Lamarca e Iara passam uns dias morando juntos. A decisão de Lamarca de não matar o embaixador é o estopim para uma série de discussões dentro da VPR, que queria que Lamarca saísse do país já que ele era o homem mais procurado, mas Lamarca não aceita e permanece no Brasil. No dia 22 de março de 1971 Lamarca rompe com a VPR e entra para o MR-8. Lamarca gostava de todos da VPR, mas politicamente considera a VPR muito vanguardista, negava qualquer espaço para o povo e não via como mudar essa situação. Por isso entra para o MR-8, e Iara o acompanha. No MR-8 Lamarca via novamente a possibilidade de ir para o campo, implantar o foco guerrilheiro e levar o povo ao poder, o MR-8 reservava ao povo um papel no processo revolucionário, o que foi um dos motivos da aproximação de Lamarca. De repente, o MR-8 começa a ruir: no dia 14 de maio Stuart Edgard Angel de 27 anos, membro da direção do MR-8, é preso e levado para a base aérea do Galeão, onde é torturado de todas as formas para dizer a localização de Lamarca, mas apesar disso Stuart não o entrega. Stuart morre, asfixiado e intoxicado por monóxido de carbono, após ser amarrado na traseira de um jipe da Aeronáutica e ser arrastado de um lado para o outro com a boca no cano de descarga do jipe. Os oficiais que participaram do assassinato de Stuart eram o Brigadeiro Burnier, Carlos Afonso Dellamara comandante do CISA, o tenente-coronel Abílio Alcantra e Muniz, o capitão Lúcio Barroso e o major Pena, todos do CISA., Alfredo Poeck, capitão do Cenimar, e o agente do Dops Jair Gonçalves da Mota.


Neste momento o MR-8 estava cercado no Rio de Janeiro e Lamarca e Iara estavam correndo perigo, então os dois partem em direção à Bahia (Iara consegue vencer a resistência da Organização em deixa-la ir junto com Lamarca já que não se sabia como absorvê-la no trabalho no campo). Lamarca e Iara chegam à Bahia mas não ficam juntos, pois Lamarca se dirige a Buriti Cristalino e Iara a Salvador. No dia 29 de junho de 1971 Lamarca chega a área de campo em Buriti Cristalino, e fica escondido no meio do mato, somente recebendo visitas de companheiros do MR-8 que levavam sua comida. Esses companheiros já estavam na região fazendo um trabalho de conscientização e educação com os camponeses. No dia 30 de julho Lamarca e seus companheiros discutem sobre a região e sobre as perspectivas de atuação, e percebem que seria um erro fazer a guerrilha ali, era necessário que a região tivesse alguma importância econômica para que a ação pudesse abalar o governo, e todo aquele agreste não tinha nenhuma importância para o país. Então ficou decidido que ali só se faria um trabalho de conscientização, recrutamento e formação de militantes de origem camponesa para mais tarde serem deslocados para uma região mais favorável à guerrilha.No dia 6 de Agosto o militante Zé Carlos do MR-8 é preso em Salvador e fica a duvida se ele entregaria o local onde estava Lamarca e Iara. Zé Carlos é torturado mas não fala tudo de uma vez, fala sobre onde estava Iara porque achava que ela já tinha ido para Feira de Santana mas estava enganado. No dia 20 de agosto de 1971 os militares invadem o prédio onde estava Iara, prendem o companheiro Jaileno e outras pessoas. Quando Iara parecia estar salva, um menino a vê com duas armas e avisa aos militares. Iara fica presa num quarto porque o menino que a viu bateu a porta que só abria por fora e, acuada, sem chances de escapar, se suicida com um tiro no meio do peito. Com a morte de Iara, os militares têm certeza que Zé Carlos sabia onde estava Lamarca, e ainda possuíam o diário de Lamarca que falava da região onde estava. Em cima das informações de Zé Carlos e com o diário de Lamarca nas mãos, os agentes vão mapeando a região. Lamarca e os militantes ficam sabendo que Zé Carlos estava preso, e mesmo sabendo dos riscos em permanecer em Buriti Cristalino resolvem ficar porque não podiam abandonar todo o trabalho que estava sendo feito com o povo da região. Por precaução montam vários táticas de fuga caso fosse necessário. No dia 28 de Agosto os militares e policiais chegam a Buriti Cristalino. Olderico, militante do MR-8, percebe que tudo havia sido descoberto e quando os militares ordenam que todos saiam das casas ele começa a atirar para que Zequinha e Lamarca que estavam no acampamento ouvissem os tiros e fugissem. A atitude corajosa de Olderico deu certo, e ao ouvirem os tiros no vilarejo Lamarca e Zequinha fugiram pela Caatinga. Olderico é baleado.

A morte na caatinga

Buriti Cristalino foi palco do terror com a presença dos militares e policiais na região: vários camponeses foram torturados e espancados a troco de nada, animais dos camponeses foram fuzilados só por diversão, e o militante Otoniel foi morto. Os militares continuavam a perseguição a Lamarca, que estava muito doente, o que dificultava sua locomoção. O próprio Lamarca dizia para Zequinha o largar e fugir mas Zequinha respondia que "Quem é amigo na vida é amigo na morte!". No dia 17 de Setembro Zequinha e Lamarca estão descansando embaixo de uma árvore, depois de haver percorrido mais de 300km em fuga, quando Zequinha percebe que estão cercados. Ele então grita para Lamarca: " Capitão os homens estão ai", mas Lamarca não tem tempo nem para atirar, sendo fuzilado pelo Major Cerqueira. Zequinha corre ainda alguns metros mas também é morto. Antes de cair Zequinha grita: "Abaixo a ditadura!". Os corpos de Lamarca e Zequinha são levados para Brotas de Macaúbas onde são jogados num campo de futebol para todo mundo ver. Os Agentes se divertiam dando chutes nos cadáveres, rindo e dando gargalhadas de felicidade.
Inspirados pela revolução cubana, a Vanguarda Popular Revolucionária, tinha como maior líder ex-militar Carlos Lamarca. Fazendo guerrilhas urbanas e mais tarde rurais, a VPR não conseguiu seus objetivos por causa da linha dura dos militares que estavam no poder e suas torturas com os companheiros apanhados. Tinha por convicção, a ideologia Marxista, eram bem disciplinados, talvez pela influência de Lamarca (ex-militar). Roubavam bancos, seqüestravam diplomatas em troca de guerrilheiros ou de dinheiro para patrocinar a guerrilha que consumia muito dinheiro.
Depois de fracassar a guerrilha urbana, Lamarca e alguns guerrilheiros foram para o Nordeste (Bahia) para tentar a guerrilha rural, já que na cidade eles estavam correndo sérios riscos, e a segurança dos guerrilheiros estava sendo quebrada. No começo Lamarca não queria ir para a Bahia, mas se convenceu dá situação critica vivida na cidade. Já lá na Bahia, contavam com a ajuda de alguns cidadãos das aldeias, que lhes davam proteção, comida, descanso...
O Objetivo da VPR na Bahia era divulgar suas idéias e seu movimento tentando convencer a massa para lutar junto com a REVOLUÇÃO, sem esse recurso o movimento morre. Mas o governo jogava duro, e prometeu recompensa ao povo, para quem desse informação ou alguma pista de Lamarca, cujo recebeu atenção especial do governo por ser desertor das forças armadas o que irritava o Exército.
Com o povo contra e o Exército apertando, Lamarca foi cada vez mais encurralado e seus companheiros, na cidade e no campo, foram sendo exterminados ou torturados até a loucura o que dificultava o apoio. Depois de muito fugir, com dificuldades de locomoção, Lamarca deve seu fim, o pior possível para um Militante (Revolucionário), foi morto de costas (veja o laudo, depois de muito tempo depois) sem poder reagir pelo Exército que encurralou eles em uma árvore enquanto descansavam, Dia 17 de setembro de 1971... Estava morta a Vanguarda Popular Revolucionária.

Fonte: http://br.geocities.com/jonhassuncao/lamarca.htm